domingo, 5 de abril de 2009

Filme: "Hotel Ruanda"

Título: “Hotel Ruanda” (Titulo Original “Hotel Rwanda”).

País: Reino Unido/África do Sul/Itália

Diretor: Terry George.

Roteiro: Keir Pearson, Terry George.

Elenco: Don Cheadle, Sophie Okonedo, Nick Nolte, Fana Mokoena, Joaquin Phoenix, Hakeem Kae-Kazim, Cara Seymour, Jean Reno.

Duração: 121 min.

Ano: 2004

Localização temporal: 1994

Localização espacial: Kigali, capital de Ruanda.

Comentários sobre os personagens centrais:
-Paul Rusesabagina (Don Cheadle): Gerente do Hotel des Mille Collines. Hutu casado com uma Tutsi, tenta proteger sua família do massacre, e acaba ajudando também os vizinhos através de compras de favores dos homens das Interahamwe, e usando suas conexões e conhecimentos adquiridos como gerente de um hotel de luxo. Quando os hóspedes estrangeiros do hotel são retirados pela missão da ONU, Paul usa o prédio como ponto de refúgio para Tutsis e Hutus moderados. Paul não é um herói típico, pois ao longo do filme demonstra fraquezas, medo e hesitação. Ele é na verdade um homem comum, cujas ações são impelidas por seus sentimentos e ética pessoais. Durante o curso do filme, ele sofre não apenas com o terror e a violência, mas também ao se conscientizar do estado de barbárie ao qual seu próprio povo está reduzido, e o fato de não parecer haver qualquer organização ou país dispostos parar o massacre.

Tatiana Rusesabagina (Sophie Okonedo): Esposa de Paul, de origem Tutsi. É afetada não apenas com o medo de ser ela mesma ou seus filhos vítimas em potencial da violência das milicias, mas também por desconhecer o destino de suas sobrinhas, após o desparecimento de seu irmão e cunhada. Tenta na medida do possível manter a estabilidade de sua família em meio ao caos, apoiando as decisões do marido(e mesmo encorajando e influenciando suas tomadas de decisão) e cuidando de seus filhos e dos refugiados no hotel. Tatiana é, fundamentalmente, o apoio emocional de Paul. Também é um personagem responsável por dar um pouco de leveza ao filme através da sua relação romântica com o marido, seu cuidado não só com seus filhos, mas também com as sobrinhas e os refugiados.

-Coronel Oliver (Nick Nolte) e Pat Archer (Cara Seymour):Oliver é um personagem fictício, para o qual a maior fonte de inspiração foi o General Roméo Dallaire, comandante da Missão de Assitência das Nações Unidas para Ruanda. Dallaire, seu pequeno contingente e alguns observadores civis da Onu conseguiram salvar cerca de 20.000 pessoas, mas falharam em conter o massacre como um todo. Depois de seu período em Ruanda Dallaire sofreu de estresse pós-traumático e depressão profunda, chegando a tentar o suicidio, se retirou das forças armadas e escreveu um livro, “Shake hands with the Devil : the failure of Humanity in Rwanda” (“Aperto de mão com o Demônio:o fracasso da humanidade em Ruanda”) no qual critica duramente a maneira como a comunidade internacional lidou com Ruanda. No filme, O coronel Oliver é fundamental para a salvação dos refugiados do Hotel. Pat Archer é uma voluntária da cruz vermelha que leva diversas crianças para o hotel e consegue provisões e remédios para os refugiados. Ambos os personagens representam os agentes internacionais que atuaram contra o genocídio sem apoio logistico ou econômico nem ajuda internacional. Através deles é mostrada a sensação de impotência que diversos membros da comunidade internacional sentiram diante do massacre.

-General Augustin Bizimungu (Fana Mokoena) e Georges Rutaganda (Hakeem Kae-Kazim): Bizimungu é um militar ruandês, participante direto do genocídio. Preso pelo governo angolano em 2002, foi levado à julgamento e condenado por crimes contra a humanidade. No filme, Bizimungu é a principal face das autoridades envolvidas no genocídio. É com ele que Paul negocia, trocando dinheiro e bebidas pela segurança de sua família e das demais pessoas no hotel. Bizimungu pode ser visto como um representante simbólico da corrupção política dos líderes africanos pós-colonização ; autoridades em Estados política e economicamente frágeis, que têm liberdade para agir de acordo com seus próprios interesses. E um homem ganacioso e violento, um exemplo de como a fragilidade dos Estados africanos e a falta de interesse da comunidade internacional pelo bem estar dos africanos permite o uso sistemático da violência pelas autoridades locais. Rutaganda, líder das Interahamwe tem um papel muito similar ao de Bizimungu, mas representa os civis que se engajaram no massacre, levados pela aceitação de ideologias arraigadas na história colonial de Ruanda. Foi condenado à prisão perpétua por crimes de guerra.

-Jack Danglish (Joaquin Phoenix): Personagem fictício, é um repórter. Não pode ser considerado um dos personagens centrais, pois não tem qualquer função nos acontecimentos principais, mas sua importância é simbólica. Ele é um homem comum, não africano, que mesmo estando em Ruanda durante o princípio do massacre, não se vê emocionalmente conectado ao que acontece, como a maioria das pessoas comuns frente à guerras civis e massacres em países que não sejam o seu. Sua atitude muda ao testemunhar o massacre de perto e se interessar por uma mulher Tutsi (assim como o homem comum só se sente atingido por uma tragédia social na medida em que é afetado diretamente pelos acontecimentos).

-Sr. Tillens (Jean Reno-Não creditado) : Presidente da empresa dona do hotel para o qual Paul trabalha. Se esforça para ajudar Paul e os refugiados, e chega a evitar um ataque dos Interahamwe, mas não consegue apoio junto às autoridades para fazer mais que isso. Convence Paul de que é inútil esperar um resgate de fora, explicando-lhe que Ruanda não tem valor político para os países estrangeiros, apresentando um ponto de vista de fora em relação ao genocídio.

Análise de uma seqüência:
Chegada das forças de paz e retirada dos estrangeiros do Hotel: Nessa cena, os comboios de soldados chegam ao hotel, aparentemente para levar os refugiados para um local seguro. No entanto, os soldados têm ordens de levar apenas os estrangeiros e deixar os ruandeses. Nessa cena vemos os estrangeiros(em sua maioria brancos) e os ruandeses serem fisicamente separados (mesmo à força) em dois grupos distintos: os que serão salvos e os que não vale a pena salvar. Mesmo crianças são deixadas para trás, sem preocupação pelo seu destino. A situação é definida por Paul, ao afirmar “Esses homens não estão aqui para nos ajudar”.
Nos ônibus, os turistas, até então alheios à situação dos ruandeses, quando confrontados com o descaso de frente, parecem, em sua maioria, envergonhados. Vemos um deles tirando fotos. O turista que tira fotos pode ser entendido de diversas maneiras, talvez seja alguém para quem o outro (no caso, o africano) não tem significado humano, nem importância, logo ele prossegue fotografando sua tragédia como se fosse parte de seu passeio turístico; ou pode ser alguém que, impossibilitado de fazer mais pelas conveniências políticas, quer justamente registrar o absurdo da situação. O filme não deixa claro, já que não vemos o rosto do turista.
Nessa seqüência temos também um diálogo entre Oliver e Paul. Oliver não deixa dúvidas sobre a valorização da vida dos africanos em relação à valorização da vida dos ocidentais: “O ocidente, as superpotências, tudo em que você acredita. Acham que vocês são um lixo, não valem nada”

Aspectos Audiovisuais:
O filme alterna cenas noturnas e diurnas. Nas cenas diurnas vemos dois tipos: cenas externas, abertas e ensolaradas, e, cenas internas, a maioria dentro do hotel. Várias das diurnas cenas internas passam a idéia de claustrofobia e calor, causando uma sensação de desconforto no espectador (através da luz, de elementos da aparência dos personagens como suor e roupas decompostas, e da localização dos atores, como nas cenas em que pessoas enchem quartos e corredores apertados). Muitos dos ataques mais violentos mostrados no filme são cometidos à luz do dia, em cenas abertas e iluminadas, a fim de demonstrar o nível de descontrole da situação no país, tomado pela violência clara e sem restrições. Por outro lado, as cenas iniciais (introdução da personagem de Paul) e final (saída da família Rusesabagina do país), são tomadas externas, abertas, nas quais o sol e os tons quentes servem para emprestar vivacidade à ação e provocar sensações agradáveis.
As cenas noturnas são responsáveis por acrescentar tensão ao filme. Essas cenas são escuras, com predomínio de cores frias, com muitos elementos da ação ocultos, a fim de transmitir uma sensação de medo e perda de orientação (por exemplo, as agressões são apenas ouvidas ou vistas de longe, sem clareza; a cena na qual Paul encontra uma estrada cheia de corpos não apenas é obscurecida, mas também usa um efeito de nevoeiro a fim de causar mais desorientação e terror, quase como num pesadelo). As cenas noturnas entre Tatiana e Paul ao contrário têm uma iluminação mais sutil que passa uma sensação de conforto ao espectador.
Outro fator importante são as gravações das rádios de notícias. O rádio e a televisão são usados como ferramentas de orientação para o espectador, tanto fornecendo dados históricos que nos auxiliam a compreender a estória, quanto esclarecendo sobre o estado mental dos genocidas e seu modo de operar (no caso da radio RTLM). Uma variedade de sons como freqüências de rádio mal-sintonizadas, gritos e tiros e silêncios estratégicos são usados através do filme para recriar a sensação de terror psicológico sob a qual vivem os personagens.
O filme não apela diretamente para a exibição da violência, mas sim de seus efeitos (cadáveres, sangue, ferimentos), feita de maneira estratégica ao longo do filme, sempre em momentos de maior tensão na estória a fim de chocar o espectador, não pela repulsa à cenas violentas, mas pela constatação dos efeitos dos atos de violência.


Argumento:
O filme retrata o Genocídio de 1994, em Ruanda. Esse genocídio pode, sob muitos aspectos ser considerado um subproduto da colonização européia na África. A divisão da população Ruandesa entre Tutsis e Hutus é um produto artificial da colonização belga, baseada na idéia de tribalismo, isto é, na divisão dos povos africanos em tribos a fim de manter melhor controle sobre o território dominado. Os Tutsis foram elevados ao status de elite local pelos administradores belgas a fim de usá-los como seus agentes. A escolha foi baseada em características físicas consideradas “superiores” como a maior altura, traços pretensamente mais “europeizados” e pele de compleição mais clara.
Isso criou rivalidades e disputas de poder entre Hutus e Tutsis que se agravaram depois da independência quando, assim como aconteceu com o resto da África independente, os ruandeses foram deixados sozinhos para resolver problemas criados pela colonização, com os quais não tinha estruturas políticas ou sociais lidar, já que a colonização não criara infraestruturas e destruíra muito das estruturas já existentes. Em 1994 Ruanda acabara de sair de uma guerra civil entre Tutsis e Hutus. Durante o período de implementação de acordos as tensões ainda eram fortes o que levou a formação da Missão de Assistência liderada por Roméo Dallaire a fim de manter a paz. Os ataques contra Tutsis, vistos como “traidores” desde o tempo da colonização belga, devido ao seu papel administrativo, começaram depois da morte suspeita do presidente Hutu Juvenal Habyarimana. Dallaire ordenou que um contingente de soldados protegesse a primeira ministra Agathe Uwilingiyimana, mas a milícia Interahamwe, que vinha atacando Tutsis e Hutus moderados, assassinou a ministra, seu marido e os soldados belgas, fazendo com que a Bélgica retirasse seus contingentes, enfraquecendo muito os esforços para conter a violência. O massacre dos Tutsis e Hutus moderados pelos Interahamwe (com a facilitação do governo e do exército) só cessou quando rebeldes Tutsis exilados em Uganda, e liderados por Paul Kagame, invadiram o país e tomaram as cidades, causando um êxodo de refugiados Hutus, fugindo de possíveis retaliações.
O filme mostra como a mentalidade colonialista em relação à África se reproduziu mesmo depois da independência e até a virada do século XX para o XXI. A África é vista como “terra de ninguém”, onde intervenções para o salvamento de vidas humanas não parecem valer a pena em comparação com interesses políticos externos. Mostra-se claramente como Ruanda é vista apenas como um destino para turistas (como os hóspedes do Hotel dês Milles Collines), e uma fonte de riqueza para empresas (como a Sabena, dona do Hotel), nenhuma importância sendo dada ao bem estar da população. Assim que o genocídio começa, os turistas, repórteres e executivos não-africanos são os primeiros e únicos a serem retirados do país e protegidos enquanto a população civil ruandesa, verdadeiro alvo dos ataques, é cruelmente massacrada.
Pode-se ver a repetição do padrão colonialista que se servia da África como fonte de riqueza e mão de obra, sem qualquer preocupação com a fundação de infra-estruturas que permitissem melhorias da qualidade de vida de seu povo, sendo abandonada, sem qualquer recurso para se sustentar social, política ou economicamente e com as estruturas sociais preexistentes pervertidas ou simplesmente destruídas, assim que a situação já não era mais proveitosa ou segura para os colonizadores.


Valores e idéias defendidas ao longo do filme:
O filme defende a atuação pessoal no âmbito social, através da figura de Paul, um homem comum cujo compromisso pessoal com valores humanitários o leva a arriscar-se para salvar vidas. Os valores familiares e a solidariedade social (com a defesa de vizinhos e amigos a princípio, se estendendo para a defesa de qualquer compatriota em necessidade) também são de fundamental importância do decorrer do filme, apresentados pela dinâmica familiar entre Paul, Tatiana e seus filhos, e entre a família e seus vizinhos e os refugiados que ajudam. O filme opõe esses valores à divisão e agressão entre concidadãos que se passa fora do hotel.
Outro tema importante é a falta de ação do “mundo civilizado” frente à uma crise humanitária catastrófica. O filme critica duramente a posição da comunidade internacional e das Nações Unidas durante a crise. De fato, o mostra-se explicitamente como a intervenção esperada pela população simplesmente não veio e como o mundo deixou os ruandeses à sua própria sorte em meio a uma monstruosa carnificina (Em 2006, num artigo sobre a crise em Darfur, Paul Rusesabagina diria que o mundo deixara Ruanda “se afogar no próprio sangue”).
O filme pode ser considerado uma crítica do colonialismo, na medida em que parece relacionar a colonização com o massacre (a criação artificial das etnias é mencionada, assim como a administração belga diversas vezes), e mostra que as conseqüências da expansão colonial na África se estendem até os dias atuais. Hotel Ruanda também não se concentra demasiadamente nas violências entre civis ruandeses, se concentrando em figuras de autoridade como o general Bizimungu, e em membros oportunistas da Interahamwe, como Rutaganda dando-lhes mais responsabilidade sobre os eventos, e encarando a população em geral, mesmo os hutus envolvidos no massacre, como vítimas de circunstâncias históricas e jogos de poder além de seu alcance.

Frases representativas:
· “Nossa tarefa é manter a paz, não estabelecer a paz. Tenho ordens para não intervir”.(Cel. Oliver)
· “Eu creio que as pessoas que virem essas imagens dirão ‘Oh, meu Deus, que horror’, e continuarão seus jantares”.(Jack)
· “Nenhum ruandês” (Soldado, impedindo a entrada de crianças ruandesas nos veículos de resgate destinados aos estrangeiros)
· “Você devia cuspir na minha cara. (...) Nós achamos que vocês são lixo. (...) O ocidente, as superpotências, tudo em que você acredita. Acham que vocês são um lixo, não valem nada (...) Eles não vão ficar. Eles não vão parar a matança”.(Cel. Oliver)
· “Você podia ser o dono desse hotel, salvo por uma coisa: você é negro. Nem sequer é americano; você é africano”.(Cel. Oliver)
· “Todos os brancos vão embora. Serão evacuados. Nós fomos abandonados”.(Paul)
· "Eles são covardes, Paul. Ruanda não vale um só voto para nenhum deles”.(Tillens, se referindo aos países do primeiro mundo).
· “Quantos ‘atos genocidas’ são necessários para que seja genocídio?” (Repórter, ironizando o uso por parte da ONU e da mídia do termo “atos genocidas” em vez de “genocídio” para o massacre de Ruanda, a fim de amenizar os fatos.)
· “Não virão nos resgatar. Não virá um exército de intervenção. Temos que salvar a nós mesmos. Muitos aqui conhecem pessoas influentes. Liguem para eles. Vocês devem contar o que vai nos acontecer. Digam adeus. Mas quando disserem adeus, façam como se, através do telefone, segurassem a mão deles. Façam com que saibam que, se eles soltarem a mão, vocês vão morrer. Façam com que sintam vergonha e mandem ajuda” (Paul)
· “Ninguém os controla” (Cel. Oliver se referindo aos Interahamwe)
· “Acabou-se a polícia e a proteção. Que a ONU cuide de vocês”.(Gen. Bizimungu).
· “Não cometi crimes de guerra. (...) Não ordenei massacre algum”.(Gen. Bizimungu) .
· "Espero que um dia possamos voltar” (Dube).
· “Sempre há lugar ” (Paul, respondendo à pergunta de Pat Archer sobre se haveria lugar para mais passageiros nos ônibus que deixavam o país)

Visão do Filme sobre o tema
O filme tem uma visão profundamente humanística do tema, se centrando muito mais no impacto dos acontecimentos sobre a vida das pessoas do que nos acontecimentos em si mesmos. A tragédia humana é mostrada sem um grande apelo direto ao recurso da violência gráfica, mas com uma forte centralização no impacto emocional e psicológico causado na população pela perda de entes queridos, pelo testemunho direto da violência, o medo da morte, a sensação de falta de proteção dos Estado, a perda de referências sociais e a quebra dos laços de solidariedade.
O filme também enfoca a resistência pacífica e o humanitarismo, insistindo no contraste entre um homem solitário que salva diversas vidas sem o auxílio de quase nenhum recurso e as potências internacionais que se mantém de braços cruzados diante de uma guerra civil por razões políticas quando na verdade têm plenas condições militares e econômicas para intervir. O filme é profundamente ácido em sua demonstração do caos político, social e humanitário, mas não tem um tom completamente pessimista, uma vez que também mostra a resistência do homem simples à injustiça social, a solidariedade e a manutenção da moral e dos códigos básicos de ética humana representados pelos personagens principais, Paul e Tatiana.
O casal também representa a manutenção dos laços sociais, quebrados pelo conflito civil: enquanto as pessoas ao redor do hotel se voltam contra seu próprio povo, cometendo atrocidades contra vizinhos, amigos e compatriotas, deixando de lado as convenções mais básicas de respeito e civilidade, Paul e Tatiana mantêm sua lealdade aos amigos e vizinhos, a compaixão para com o próximo, e o a unidade familiar, formando uma dinâmica de família normal e positiva (na medida do possível) entre si e com seus filhos e não desistindo de encontrar as sobrinhas desaparecidas de Tatiana.
O filme não apresenta os fatos históricos de maneira cínica ou niilista, mas tenta manter um balanço entre a mostrar a tragédia que varreu o país e a de esperança numa futura reestruturação da rede social, apesar das atrocidades. A bela cena final, na qual Paul, Tatiana, seus filhos e sobrinhas, com mais algumas crianças, deixam um campo de refugiados sob a luz do pôr do sol, deixa claro o otimismo do diretor e roteiristas sobre o futuro de Ruanda, e a crença de que as cicatrizes dos violentos acontecimentos podem, com o esforço da população e o apoio da comunidade internacional, sarar e o país ser reconstruído.

Análise pessoal:
“Hotel Ruanda” pode ser considerado um filme-protesto. Não hesita em fazer críticas políticas e sociais duras, mas tem acima de tudo um caráter humanístico e emocional. Em vez de narrar uma linha de acontecimentos históricos, o filme busca mostrar o Genocídio em Ruanda como um produto da história colonialista, e a maneira como as pessoas comuns foram afetadas por essa história. Em vez de focar-se nos assassinatos, mutilações e estupros, o que poderia facilmente se tornar uma representação negativa do africano como incapaz de viver civilizadamente (uma crença arraigada na mente ocidental), o filme apresenta um panorama mais extenso e complexo, no qual a violência não tem apenas um conteúdo interpessoal, mas social, inserido num contexto histórico e social amplo e cheio de variações internas.
O filme também apela, com sucesso, para a emoção do público. Mostrando as interações entre Paul, Tatiana, seus filhos, parentes e amigos e os efeitos dos acontecimentos históricos em suas vidas, mentes, e emoções, “Hotel Ruanda” consegue fazer o espectador simpatizar com as personagens e sua situação, fazendo com que ele se conecte ao sofrimento das vítimas do genocídio e se concentre na perda humana representada pelos eventos, em vez de apenas apresentar dados históricos com os quais o público não necessariamente encontraria uma conexão.
“Hotel Ruanda”, porém, não apresenta uma visão pessimista dos acontecimentos. A inclusão da personagem Coronel Oliver mostra que nem todos os agentes internacionais se recusaram a interferir na situação, e, ainda que o filme critique a falta de ação da ONU e outras organizações, o filme também mostra o trabalho da cruz vermelha e dos poucos soldados da ONU no alívio da crise. Se por um lado o filme apresenta militares e autoridades abusivas, também mostra os esforços e estratégias da população para sobreviver e se ajudar.
Também são mostrados (ainda que brevemente, dado o recorte temático escolhido pelo roteirista e o diretor) o avanço dos rebeldes Tutsis, e a fuga de refugiados Hutus, com medo de represálias. Nessa cena vemos os rebeldes atacarem e matarem Hutus, numa clara indicação de que a violência gerou uma resposta igualmente violenta. “Hotel Ruanda” também evita colocar todos os Hutus no papel de atacantes (o personagem principal é um exemplo óbvio) e mostra o fato de que muitos Hutus se negaram a participar do genocídio e foram perseguidos junto com os Tutsis. Desse modo o filme evita cair num maniqueísmo previsível de heróis e vilões, apresentando um panorama realista, sublinhando a idéia de que tragédias como essa não são fatos extraordinários ou “épicos” de mas sim eventos que envolvem pessoas comuns de todos as camadas sociais e as situações históricas que influenciam em suas ações.