domingo, 2 de agosto de 2009

Gloomy Sunday

Provavelmente a maioria conhece essa música na versão de Billie Holliday. O que poucos sabem é que a música foi originalmente composta pelo Húngaro Rezsõ Seress em 1933. Chegou aos Estados Unidos com a alcunha de "Hungarian Suicide song", ou "música suicida húngara"e foi adaptada para Billie Holliday. Por incrível que pareça a versão americana, que fala da morte do ser amado e faz uma apologia ao suicídio é a versão "light" da canção húngara original.

Lendas urbanas afirmavam que seu autor cometera suicídio e que a música tinha o poder de levar aqueles que a ouviam a fazer o mesmo, chegou a ser banida pela rádio BBC. Seress realmente cometeu suicídio, mas só em 1968, muito tempo depois da lenda urbana se espalhar e por motivos não relacionados a "Gloomy Sunday". Mas o fato é que a música é de fato deprimente e no período em que se popularizou muitos se suicidaram na Europa. O que explica isso? Simples: os anos 20 e 30 foram cruéis para o continente europeu: a 1ª Guerra Mundial deixara todos os países envolvidos desvastados, o número de mortes foi estarrecedor comparados à todas as guerras até então, a economia florecia no resto do mundo durante os anos 20, enquanto na Europa estava em frangalhos. A crise de 29 que afetou o mundo inteiro foi apenas um golpe de misericórdia para os Europeus. Uma situação tão desespereadora que permitiu a ascensão de Hitler e do Nazismo nos anos 30. É esse mundo sombrio que "Gloomy sunday" retrata, mas especificamente, Seress parece falar especialmente da 1ª Guerra.

Para quem quer ouvir(a partir de 1:25):
http://www.youtube.com/watch?v=_Qaa4GDBr0k&feature=related

Gloomy Sunday/Domingo Sombrio

É outono e as folhas caem
Todo o amor sobre a terra está morto
O vento soluça e chora lágrimas tristonhas
Meu coração não tem a esperança de uma nova primavera
Minhas lágrimas e lamentos são em vão
As pessoas são cruéis e tem corações vazios

O amor está morto!

O mundo chegou a seu fim
a esperança já não tem sentido
cidades são apagadas sob a música das metralhadoras
Os campos estão tingido de vermelho sangue
Há pessoas mortas por todos os lados nas ruas
People are heartless, greedy and wicked...
Eu faço uma prece silenciosa
Os homens são pecadores senhor
Cometemos erros...

O mundo chega a seu fim

domingo, 5 de abril de 2009

Filme: "Hotel Ruanda"

Título: “Hotel Ruanda” (Titulo Original “Hotel Rwanda”).

País: Reino Unido/África do Sul/Itália

Diretor: Terry George.

Roteiro: Keir Pearson, Terry George.

Elenco: Don Cheadle, Sophie Okonedo, Nick Nolte, Fana Mokoena, Joaquin Phoenix, Hakeem Kae-Kazim, Cara Seymour, Jean Reno.

Duração: 121 min.

Ano: 2004

Localização temporal: 1994

Localização espacial: Kigali, capital de Ruanda.

Comentários sobre os personagens centrais:
-Paul Rusesabagina (Don Cheadle): Gerente do Hotel des Mille Collines. Hutu casado com uma Tutsi, tenta proteger sua família do massacre, e acaba ajudando também os vizinhos através de compras de favores dos homens das Interahamwe, e usando suas conexões e conhecimentos adquiridos como gerente de um hotel de luxo. Quando os hóspedes estrangeiros do hotel são retirados pela missão da ONU, Paul usa o prédio como ponto de refúgio para Tutsis e Hutus moderados. Paul não é um herói típico, pois ao longo do filme demonstra fraquezas, medo e hesitação. Ele é na verdade um homem comum, cujas ações são impelidas por seus sentimentos e ética pessoais. Durante o curso do filme, ele sofre não apenas com o terror e a violência, mas também ao se conscientizar do estado de barbárie ao qual seu próprio povo está reduzido, e o fato de não parecer haver qualquer organização ou país dispostos parar o massacre.

Tatiana Rusesabagina (Sophie Okonedo): Esposa de Paul, de origem Tutsi. É afetada não apenas com o medo de ser ela mesma ou seus filhos vítimas em potencial da violência das milicias, mas também por desconhecer o destino de suas sobrinhas, após o desparecimento de seu irmão e cunhada. Tenta na medida do possível manter a estabilidade de sua família em meio ao caos, apoiando as decisões do marido(e mesmo encorajando e influenciando suas tomadas de decisão) e cuidando de seus filhos e dos refugiados no hotel. Tatiana é, fundamentalmente, o apoio emocional de Paul. Também é um personagem responsável por dar um pouco de leveza ao filme através da sua relação romântica com o marido, seu cuidado não só com seus filhos, mas também com as sobrinhas e os refugiados.

-Coronel Oliver (Nick Nolte) e Pat Archer (Cara Seymour):Oliver é um personagem fictício, para o qual a maior fonte de inspiração foi o General Roméo Dallaire, comandante da Missão de Assitência das Nações Unidas para Ruanda. Dallaire, seu pequeno contingente e alguns observadores civis da Onu conseguiram salvar cerca de 20.000 pessoas, mas falharam em conter o massacre como um todo. Depois de seu período em Ruanda Dallaire sofreu de estresse pós-traumático e depressão profunda, chegando a tentar o suicidio, se retirou das forças armadas e escreveu um livro, “Shake hands with the Devil : the failure of Humanity in Rwanda” (“Aperto de mão com o Demônio:o fracasso da humanidade em Ruanda”) no qual critica duramente a maneira como a comunidade internacional lidou com Ruanda. No filme, O coronel Oliver é fundamental para a salvação dos refugiados do Hotel. Pat Archer é uma voluntária da cruz vermelha que leva diversas crianças para o hotel e consegue provisões e remédios para os refugiados. Ambos os personagens representam os agentes internacionais que atuaram contra o genocídio sem apoio logistico ou econômico nem ajuda internacional. Através deles é mostrada a sensação de impotência que diversos membros da comunidade internacional sentiram diante do massacre.

-General Augustin Bizimungu (Fana Mokoena) e Georges Rutaganda (Hakeem Kae-Kazim): Bizimungu é um militar ruandês, participante direto do genocídio. Preso pelo governo angolano em 2002, foi levado à julgamento e condenado por crimes contra a humanidade. No filme, Bizimungu é a principal face das autoridades envolvidas no genocídio. É com ele que Paul negocia, trocando dinheiro e bebidas pela segurança de sua família e das demais pessoas no hotel. Bizimungu pode ser visto como um representante simbólico da corrupção política dos líderes africanos pós-colonização ; autoridades em Estados política e economicamente frágeis, que têm liberdade para agir de acordo com seus próprios interesses. E um homem ganacioso e violento, um exemplo de como a fragilidade dos Estados africanos e a falta de interesse da comunidade internacional pelo bem estar dos africanos permite o uso sistemático da violência pelas autoridades locais. Rutaganda, líder das Interahamwe tem um papel muito similar ao de Bizimungu, mas representa os civis que se engajaram no massacre, levados pela aceitação de ideologias arraigadas na história colonial de Ruanda. Foi condenado à prisão perpétua por crimes de guerra.

-Jack Danglish (Joaquin Phoenix): Personagem fictício, é um repórter. Não pode ser considerado um dos personagens centrais, pois não tem qualquer função nos acontecimentos principais, mas sua importância é simbólica. Ele é um homem comum, não africano, que mesmo estando em Ruanda durante o princípio do massacre, não se vê emocionalmente conectado ao que acontece, como a maioria das pessoas comuns frente à guerras civis e massacres em países que não sejam o seu. Sua atitude muda ao testemunhar o massacre de perto e se interessar por uma mulher Tutsi (assim como o homem comum só se sente atingido por uma tragédia social na medida em que é afetado diretamente pelos acontecimentos).

-Sr. Tillens (Jean Reno-Não creditado) : Presidente da empresa dona do hotel para o qual Paul trabalha. Se esforça para ajudar Paul e os refugiados, e chega a evitar um ataque dos Interahamwe, mas não consegue apoio junto às autoridades para fazer mais que isso. Convence Paul de que é inútil esperar um resgate de fora, explicando-lhe que Ruanda não tem valor político para os países estrangeiros, apresentando um ponto de vista de fora em relação ao genocídio.

Análise de uma seqüência:
Chegada das forças de paz e retirada dos estrangeiros do Hotel: Nessa cena, os comboios de soldados chegam ao hotel, aparentemente para levar os refugiados para um local seguro. No entanto, os soldados têm ordens de levar apenas os estrangeiros e deixar os ruandeses. Nessa cena vemos os estrangeiros(em sua maioria brancos) e os ruandeses serem fisicamente separados (mesmo à força) em dois grupos distintos: os que serão salvos e os que não vale a pena salvar. Mesmo crianças são deixadas para trás, sem preocupação pelo seu destino. A situação é definida por Paul, ao afirmar “Esses homens não estão aqui para nos ajudar”.
Nos ônibus, os turistas, até então alheios à situação dos ruandeses, quando confrontados com o descaso de frente, parecem, em sua maioria, envergonhados. Vemos um deles tirando fotos. O turista que tira fotos pode ser entendido de diversas maneiras, talvez seja alguém para quem o outro (no caso, o africano) não tem significado humano, nem importância, logo ele prossegue fotografando sua tragédia como se fosse parte de seu passeio turístico; ou pode ser alguém que, impossibilitado de fazer mais pelas conveniências políticas, quer justamente registrar o absurdo da situação. O filme não deixa claro, já que não vemos o rosto do turista.
Nessa seqüência temos também um diálogo entre Oliver e Paul. Oliver não deixa dúvidas sobre a valorização da vida dos africanos em relação à valorização da vida dos ocidentais: “O ocidente, as superpotências, tudo em que você acredita. Acham que vocês são um lixo, não valem nada”

Aspectos Audiovisuais:
O filme alterna cenas noturnas e diurnas. Nas cenas diurnas vemos dois tipos: cenas externas, abertas e ensolaradas, e, cenas internas, a maioria dentro do hotel. Várias das diurnas cenas internas passam a idéia de claustrofobia e calor, causando uma sensação de desconforto no espectador (através da luz, de elementos da aparência dos personagens como suor e roupas decompostas, e da localização dos atores, como nas cenas em que pessoas enchem quartos e corredores apertados). Muitos dos ataques mais violentos mostrados no filme são cometidos à luz do dia, em cenas abertas e iluminadas, a fim de demonstrar o nível de descontrole da situação no país, tomado pela violência clara e sem restrições. Por outro lado, as cenas iniciais (introdução da personagem de Paul) e final (saída da família Rusesabagina do país), são tomadas externas, abertas, nas quais o sol e os tons quentes servem para emprestar vivacidade à ação e provocar sensações agradáveis.
As cenas noturnas são responsáveis por acrescentar tensão ao filme. Essas cenas são escuras, com predomínio de cores frias, com muitos elementos da ação ocultos, a fim de transmitir uma sensação de medo e perda de orientação (por exemplo, as agressões são apenas ouvidas ou vistas de longe, sem clareza; a cena na qual Paul encontra uma estrada cheia de corpos não apenas é obscurecida, mas também usa um efeito de nevoeiro a fim de causar mais desorientação e terror, quase como num pesadelo). As cenas noturnas entre Tatiana e Paul ao contrário têm uma iluminação mais sutil que passa uma sensação de conforto ao espectador.
Outro fator importante são as gravações das rádios de notícias. O rádio e a televisão são usados como ferramentas de orientação para o espectador, tanto fornecendo dados históricos que nos auxiliam a compreender a estória, quanto esclarecendo sobre o estado mental dos genocidas e seu modo de operar (no caso da radio RTLM). Uma variedade de sons como freqüências de rádio mal-sintonizadas, gritos e tiros e silêncios estratégicos são usados através do filme para recriar a sensação de terror psicológico sob a qual vivem os personagens.
O filme não apela diretamente para a exibição da violência, mas sim de seus efeitos (cadáveres, sangue, ferimentos), feita de maneira estratégica ao longo do filme, sempre em momentos de maior tensão na estória a fim de chocar o espectador, não pela repulsa à cenas violentas, mas pela constatação dos efeitos dos atos de violência.


Argumento:
O filme retrata o Genocídio de 1994, em Ruanda. Esse genocídio pode, sob muitos aspectos ser considerado um subproduto da colonização européia na África. A divisão da população Ruandesa entre Tutsis e Hutus é um produto artificial da colonização belga, baseada na idéia de tribalismo, isto é, na divisão dos povos africanos em tribos a fim de manter melhor controle sobre o território dominado. Os Tutsis foram elevados ao status de elite local pelos administradores belgas a fim de usá-los como seus agentes. A escolha foi baseada em características físicas consideradas “superiores” como a maior altura, traços pretensamente mais “europeizados” e pele de compleição mais clara.
Isso criou rivalidades e disputas de poder entre Hutus e Tutsis que se agravaram depois da independência quando, assim como aconteceu com o resto da África independente, os ruandeses foram deixados sozinhos para resolver problemas criados pela colonização, com os quais não tinha estruturas políticas ou sociais lidar, já que a colonização não criara infraestruturas e destruíra muito das estruturas já existentes. Em 1994 Ruanda acabara de sair de uma guerra civil entre Tutsis e Hutus. Durante o período de implementação de acordos as tensões ainda eram fortes o que levou a formação da Missão de Assistência liderada por Roméo Dallaire a fim de manter a paz. Os ataques contra Tutsis, vistos como “traidores” desde o tempo da colonização belga, devido ao seu papel administrativo, começaram depois da morte suspeita do presidente Hutu Juvenal Habyarimana. Dallaire ordenou que um contingente de soldados protegesse a primeira ministra Agathe Uwilingiyimana, mas a milícia Interahamwe, que vinha atacando Tutsis e Hutus moderados, assassinou a ministra, seu marido e os soldados belgas, fazendo com que a Bélgica retirasse seus contingentes, enfraquecendo muito os esforços para conter a violência. O massacre dos Tutsis e Hutus moderados pelos Interahamwe (com a facilitação do governo e do exército) só cessou quando rebeldes Tutsis exilados em Uganda, e liderados por Paul Kagame, invadiram o país e tomaram as cidades, causando um êxodo de refugiados Hutus, fugindo de possíveis retaliações.
O filme mostra como a mentalidade colonialista em relação à África se reproduziu mesmo depois da independência e até a virada do século XX para o XXI. A África é vista como “terra de ninguém”, onde intervenções para o salvamento de vidas humanas não parecem valer a pena em comparação com interesses políticos externos. Mostra-se claramente como Ruanda é vista apenas como um destino para turistas (como os hóspedes do Hotel dês Milles Collines), e uma fonte de riqueza para empresas (como a Sabena, dona do Hotel), nenhuma importância sendo dada ao bem estar da população. Assim que o genocídio começa, os turistas, repórteres e executivos não-africanos são os primeiros e únicos a serem retirados do país e protegidos enquanto a população civil ruandesa, verdadeiro alvo dos ataques, é cruelmente massacrada.
Pode-se ver a repetição do padrão colonialista que se servia da África como fonte de riqueza e mão de obra, sem qualquer preocupação com a fundação de infra-estruturas que permitissem melhorias da qualidade de vida de seu povo, sendo abandonada, sem qualquer recurso para se sustentar social, política ou economicamente e com as estruturas sociais preexistentes pervertidas ou simplesmente destruídas, assim que a situação já não era mais proveitosa ou segura para os colonizadores.


Valores e idéias defendidas ao longo do filme:
O filme defende a atuação pessoal no âmbito social, através da figura de Paul, um homem comum cujo compromisso pessoal com valores humanitários o leva a arriscar-se para salvar vidas. Os valores familiares e a solidariedade social (com a defesa de vizinhos e amigos a princípio, se estendendo para a defesa de qualquer compatriota em necessidade) também são de fundamental importância do decorrer do filme, apresentados pela dinâmica familiar entre Paul, Tatiana e seus filhos, e entre a família e seus vizinhos e os refugiados que ajudam. O filme opõe esses valores à divisão e agressão entre concidadãos que se passa fora do hotel.
Outro tema importante é a falta de ação do “mundo civilizado” frente à uma crise humanitária catastrófica. O filme critica duramente a posição da comunidade internacional e das Nações Unidas durante a crise. De fato, o mostra-se explicitamente como a intervenção esperada pela população simplesmente não veio e como o mundo deixou os ruandeses à sua própria sorte em meio a uma monstruosa carnificina (Em 2006, num artigo sobre a crise em Darfur, Paul Rusesabagina diria que o mundo deixara Ruanda “se afogar no próprio sangue”).
O filme pode ser considerado uma crítica do colonialismo, na medida em que parece relacionar a colonização com o massacre (a criação artificial das etnias é mencionada, assim como a administração belga diversas vezes), e mostra que as conseqüências da expansão colonial na África se estendem até os dias atuais. Hotel Ruanda também não se concentra demasiadamente nas violências entre civis ruandeses, se concentrando em figuras de autoridade como o general Bizimungu, e em membros oportunistas da Interahamwe, como Rutaganda dando-lhes mais responsabilidade sobre os eventos, e encarando a população em geral, mesmo os hutus envolvidos no massacre, como vítimas de circunstâncias históricas e jogos de poder além de seu alcance.

Frases representativas:
· “Nossa tarefa é manter a paz, não estabelecer a paz. Tenho ordens para não intervir”.(Cel. Oliver)
· “Eu creio que as pessoas que virem essas imagens dirão ‘Oh, meu Deus, que horror’, e continuarão seus jantares”.(Jack)
· “Nenhum ruandês” (Soldado, impedindo a entrada de crianças ruandesas nos veículos de resgate destinados aos estrangeiros)
· “Você devia cuspir na minha cara. (...) Nós achamos que vocês são lixo. (...) O ocidente, as superpotências, tudo em que você acredita. Acham que vocês são um lixo, não valem nada (...) Eles não vão ficar. Eles não vão parar a matança”.(Cel. Oliver)
· “Você podia ser o dono desse hotel, salvo por uma coisa: você é negro. Nem sequer é americano; você é africano”.(Cel. Oliver)
· “Todos os brancos vão embora. Serão evacuados. Nós fomos abandonados”.(Paul)
· "Eles são covardes, Paul. Ruanda não vale um só voto para nenhum deles”.(Tillens, se referindo aos países do primeiro mundo).
· “Quantos ‘atos genocidas’ são necessários para que seja genocídio?” (Repórter, ironizando o uso por parte da ONU e da mídia do termo “atos genocidas” em vez de “genocídio” para o massacre de Ruanda, a fim de amenizar os fatos.)
· “Não virão nos resgatar. Não virá um exército de intervenção. Temos que salvar a nós mesmos. Muitos aqui conhecem pessoas influentes. Liguem para eles. Vocês devem contar o que vai nos acontecer. Digam adeus. Mas quando disserem adeus, façam como se, através do telefone, segurassem a mão deles. Façam com que saibam que, se eles soltarem a mão, vocês vão morrer. Façam com que sintam vergonha e mandem ajuda” (Paul)
· “Ninguém os controla” (Cel. Oliver se referindo aos Interahamwe)
· “Acabou-se a polícia e a proteção. Que a ONU cuide de vocês”.(Gen. Bizimungu).
· “Não cometi crimes de guerra. (...) Não ordenei massacre algum”.(Gen. Bizimungu) .
· "Espero que um dia possamos voltar” (Dube).
· “Sempre há lugar ” (Paul, respondendo à pergunta de Pat Archer sobre se haveria lugar para mais passageiros nos ônibus que deixavam o país)

Visão do Filme sobre o tema
O filme tem uma visão profundamente humanística do tema, se centrando muito mais no impacto dos acontecimentos sobre a vida das pessoas do que nos acontecimentos em si mesmos. A tragédia humana é mostrada sem um grande apelo direto ao recurso da violência gráfica, mas com uma forte centralização no impacto emocional e psicológico causado na população pela perda de entes queridos, pelo testemunho direto da violência, o medo da morte, a sensação de falta de proteção dos Estado, a perda de referências sociais e a quebra dos laços de solidariedade.
O filme também enfoca a resistência pacífica e o humanitarismo, insistindo no contraste entre um homem solitário que salva diversas vidas sem o auxílio de quase nenhum recurso e as potências internacionais que se mantém de braços cruzados diante de uma guerra civil por razões políticas quando na verdade têm plenas condições militares e econômicas para intervir. O filme é profundamente ácido em sua demonstração do caos político, social e humanitário, mas não tem um tom completamente pessimista, uma vez que também mostra a resistência do homem simples à injustiça social, a solidariedade e a manutenção da moral e dos códigos básicos de ética humana representados pelos personagens principais, Paul e Tatiana.
O casal também representa a manutenção dos laços sociais, quebrados pelo conflito civil: enquanto as pessoas ao redor do hotel se voltam contra seu próprio povo, cometendo atrocidades contra vizinhos, amigos e compatriotas, deixando de lado as convenções mais básicas de respeito e civilidade, Paul e Tatiana mantêm sua lealdade aos amigos e vizinhos, a compaixão para com o próximo, e o a unidade familiar, formando uma dinâmica de família normal e positiva (na medida do possível) entre si e com seus filhos e não desistindo de encontrar as sobrinhas desaparecidas de Tatiana.
O filme não apresenta os fatos históricos de maneira cínica ou niilista, mas tenta manter um balanço entre a mostrar a tragédia que varreu o país e a de esperança numa futura reestruturação da rede social, apesar das atrocidades. A bela cena final, na qual Paul, Tatiana, seus filhos e sobrinhas, com mais algumas crianças, deixam um campo de refugiados sob a luz do pôr do sol, deixa claro o otimismo do diretor e roteiristas sobre o futuro de Ruanda, e a crença de que as cicatrizes dos violentos acontecimentos podem, com o esforço da população e o apoio da comunidade internacional, sarar e o país ser reconstruído.

Análise pessoal:
“Hotel Ruanda” pode ser considerado um filme-protesto. Não hesita em fazer críticas políticas e sociais duras, mas tem acima de tudo um caráter humanístico e emocional. Em vez de narrar uma linha de acontecimentos históricos, o filme busca mostrar o Genocídio em Ruanda como um produto da história colonialista, e a maneira como as pessoas comuns foram afetadas por essa história. Em vez de focar-se nos assassinatos, mutilações e estupros, o que poderia facilmente se tornar uma representação negativa do africano como incapaz de viver civilizadamente (uma crença arraigada na mente ocidental), o filme apresenta um panorama mais extenso e complexo, no qual a violência não tem apenas um conteúdo interpessoal, mas social, inserido num contexto histórico e social amplo e cheio de variações internas.
O filme também apela, com sucesso, para a emoção do público. Mostrando as interações entre Paul, Tatiana, seus filhos, parentes e amigos e os efeitos dos acontecimentos históricos em suas vidas, mentes, e emoções, “Hotel Ruanda” consegue fazer o espectador simpatizar com as personagens e sua situação, fazendo com que ele se conecte ao sofrimento das vítimas do genocídio e se concentre na perda humana representada pelos eventos, em vez de apenas apresentar dados históricos com os quais o público não necessariamente encontraria uma conexão.
“Hotel Ruanda”, porém, não apresenta uma visão pessimista dos acontecimentos. A inclusão da personagem Coronel Oliver mostra que nem todos os agentes internacionais se recusaram a interferir na situação, e, ainda que o filme critique a falta de ação da ONU e outras organizações, o filme também mostra o trabalho da cruz vermelha e dos poucos soldados da ONU no alívio da crise. Se por um lado o filme apresenta militares e autoridades abusivas, também mostra os esforços e estratégias da população para sobreviver e se ajudar.
Também são mostrados (ainda que brevemente, dado o recorte temático escolhido pelo roteirista e o diretor) o avanço dos rebeldes Tutsis, e a fuga de refugiados Hutus, com medo de represálias. Nessa cena vemos os rebeldes atacarem e matarem Hutus, numa clara indicação de que a violência gerou uma resposta igualmente violenta. “Hotel Ruanda” também evita colocar todos os Hutus no papel de atacantes (o personagem principal é um exemplo óbvio) e mostra o fato de que muitos Hutus se negaram a participar do genocídio e foram perseguidos junto com os Tutsis. Desse modo o filme evita cair num maniqueísmo previsível de heróis e vilões, apresentando um panorama realista, sublinhando a idéia de que tragédias como essa não são fatos extraordinários ou “épicos” de mas sim eventos que envolvem pessoas comuns de todos as camadas sociais e as situações históricas que influenciam em suas ações.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Blogs e o ensino de História

Não dá para negar que hoje em dia a internet já se tornou ferramenta comum do estudante, e, infelizmente, em alguns casos ocupa o lugar dos livros e bibliotecas. Todo mundo sabe do que eu estou falando: o aluno recebe um trabalho envolvendo pesquisa e qual é a primeira coisa que ele faz? Pensou certo quem disse "entrar no google" ou "wikipédia". Por um lado as vantagens são imensas, acesso a informações, mapas, obras de arte e várias outras coisas que os alunos só encontrariam pesquisando numa biblioteca pública, coisa que muitos alunos geralmente têm preguiça de fazer. Mas por outro lado isso é muito perigoso. Ou será que alguém acredita que tudo que está na internet é correto? A verdade é que se eu quiser escrever um disparate qualquer como "o Holocausto não existiu" ou "a raça tal é superior a raça tal" nada me impede, e nada impede qualquer criança ou jovem de ler essas atrocidades. A geração atual está crescendo com a internet, as crianças usam os computadores cada vez mais (e na maior parte das vezes sem supervisão dos pais, que acham mais fácil deixar a molecada na frente de uma tela brilhante, seja o computador ou a TV, do que realmente educar os próprios filhos)

É por isso que nós profissionais de educação temos que assumir nosso espaço no "mundo virtual"´; é fundamental que existam sites confiáveis com conteúdo acadêmico sério, e que os profissionais da área de educação acompanhem o desenvolvimento das novas mídias acessíveis aos alunos. Ninguém precisa ser um especialista em informática ou web-design para fazer isso. A solução pode ser um simples blog.

Um blog é simples de fazer, usar, acessar, e tem imensas possibilidades. Para uma discussão mais aprofundada estou colocando aqui o link para um artigo do Professor Dan Cohen, diretor do "Center for History and New Media", um instituto que trabalha justamente com a relação entre a historiografia e as novas formas de mídia. Agradecimentos ao Professor Ricardo Castro (UFRJ) pelo link (Blog do Ricardo : http://fch352.blogspot.com/)

Artigo: COHEN, Dan, "Professors, start your blogs":
http://www.dancohen.org/2006/08/21/professors-start-your-blogs/

sábado, 12 de julho de 2008

Prosseguindo...

Acabou o período e a disciplina já foi encerrada, mas o blog não...Então aqui estão alguns links interessantes sobre História contemporânea, só para dar prosseguimento aos trabalhos:

http://www.casahistoria.net/ - Seleção de sites só sobre História moderna e contemporânea

http://www.eyewitnesstohistory.com/ - seleção de textos oriundos de diários, cartas e outros documentos pessoais de gente famosa ou não que ilustram diversos eentos históricos

http://www.firstworldwar.com/ - Tudo sobre a Primeira Guerra Mundial.

http://www.greatwar.nl/ - Fotos da Primeira Guerra

http://pt.worldwar-two.net/ -Segunda Guerra Mundial em português

http://www.spartacus.schoolnet.co.uk/2WW.htm -Tudo sobre a Segunda Guerra

http://www.fordham.edu/halsall/mod/modsbook.html - Referências sobre História moderna e contemporânea

http://www.haberarts.com/mytime2.htm#modern - Arte moderna

domingo, 15 de junho de 2008

Wiesel em Auschwitz



A título de ilustração para a resenha de "A Noite". Na foto ao lado podemos ver Elie Wiesel , aos 17 anos durante sua internação em Auschiwitz. Wiesel é o sétimo da esquerda para a direita na linha do meio.

Resenha- "A Noite"- Elie Wiesel

Resenha
WIESEL, Elie. “A Noite” Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

Livros de memórias e autobiografias que tocam no assunto do Holocausto judaico e o genocídio nazista têm sido uma espécie de fenômeno literário do pós-guerra, na medida em que uma enorme massa de leitores leigos são atraídos pela narrativa histórica graças ao apelo de dramas humanos que vão além do ordinariamente imaginável, e que ainda assim, presume-se, são reais. Isso explica não apenas a popularidade de livros como o diário de Anne Frank, como também a quantidade de falsificações, isto é, autobiografias e memórias forjadas por escritores que não viveram o Holocausto.(Alguns exemplos notáveis são “Misha” de Misha Defonseca e “Fragmentos” de Benjamin Wilkormirski).

“A noite” tem lugar de destaque nessa “literatura do holocausto”. Juntamente com o diário de Anne Frank e “É isto um homem?” de Primo Levi, “A Noite” de Elie Wiesel forma uma espécie de “cânon” em termos de literatura sobre o holocausto. Em comum os três livros têm o fato de terem sido escritos por vítimas dos campos de concentração (Wiesel e Levi sobreviventes, Frank morta em Auschwitz), o que por si só os torna peças únicas de literatura, e o fato de, tanto pelo estilo literário quanto pela honestidade das narrativas, nas quais os autores se expõem completamente a nossos olhos, com suas expectativas, dores e sentimentos. “A noite” ganha mais força se considerarmos que seu autor Elie Wiesel não apenas continua vivo, mas também atuante. Apesar de sua simpatia um tanto parcial pelo Estado de Israel que o levou a algumas decisões questionáveis ou polêmicas (como desculpar ataques israelenses a civis e apoiar a invasão do Iraque), Wiesel têm sido um dos maiores porta-vozes dos direitos humanos e vem denunciando diversos crimes contra a humanidade, discursando e escrevendo continuamente em veículos de grande circulação e mesmo na ONU.

“A noite” impressiona não apenas pelos dados citados acima, mas por sua força narrativa. É um livro curto, compacto, que diz tudo em poucas palavras, crua e brutalmente; tem o impacto de um soco no estômago.. Como o próprio autor afirma, não há palavras para descrever o holocausto (especialmente para quem o viveu diretamente), e Wiesel não perde tempo tentando encontrá-las. Seu livro não explica, justifica ou reflete. Apenas conta. Conta o que seu autor, a duras penas, sobreviveu para contar. Narrado num estilo fluido e quase oral onde a cronologia dos acontecimentos é menos importante que o tempo psicológico do narrador, “A noite” é um romance que lida não com a história, mas com um jovem arrastado pela história. O fio que norteia a narrativa são os sentimentos de Elie Wiesel, então com quinze anos, durante o período em que viveu, com seu pai, num campo de concentração.

“A noite” não tem o rebuscamento emocional a que os filmes de Hollywood nos acostumaram. De algum modo, hoje em dia, nós quase esperamos que dramas se desenrolem ao som de música orquestral e que seres humanos sejam heróis cheios de dignidade ou vítimas estóicas. “A noite”, no entanto é um drama real, e seu autor não faz a mínima questão de embelezar nada. O Holocausto foi feio, desumano, nulificou suas vítimas, e ao mesmo tempo foi banal, corriqueiro e nada heróico; é isso que Wiesel nos diz. As atrocidades desfilam diante dos olhos do narrador (e dos nossos) em sucessão sem que ninguém pense, ou sinta...Apenas acontecem. Tinha que ser assim para que milhões fossem eficientemente eliminados.”Fábrica da morte” não é uma figura de linguagem ao se falar do genocídio nazista, é uma constatação simples. Com o tempo nem mesmo as vítimas sentiam o horror da morte: o processo de sua total destruição às reduziu à nada antes mesmo de colocarem os pés numa câmara de gás.

Como as demais vítimas do Holocausto, Elie Wiesel se viu cair ao nível sobrevivência básica, à necessidade de viver um minuto mais, e ele próprio assume sua desumanização, e a descreve sem qualquer vergonha ou desculpa (afinal, que culpa tiveram as vítimas de qualquer genocídio perpetrado na história do mundo?). Sua mãe e irmã são as primeiras a morrer, na câmara de gás. Em nenhum momento ele as pranteia: deve sobreviver e ajudar o pai a sobreviver. Um resto de humanidade agarra-se à figura do pai, ao amor e ao respeito que ele inspira, e à piedade quando a saúde deste pai começa a declinar, no entanto um instinto de sobrevivência básico, primário, animal mina essa resistência da alma.

“Deus está morto” provavelmente, a melhor definição do que o genocídio significou histórica e humanamente. Enquanto Wiesel vê desmoronarem suas crenças em Deus, nos homens, em si mesmo, também o mundo ocidental viu, entre o regicídio que deu início à Primeira Guerra Mundial e as duas bombas atômicas que encerraram a Segunda Guerra, o fim de um mundo, de crenças e valores que até então pareciam inabaláveis. A destruição de vidas humana em massa, a totalização da guerra, a morte tecnizada e higienizada, foram o parto doloroso do que Eric Hobsbawm chama de “o breve século XX”, um processo cujas conseqüências sentimos ainda hoje.

Bibliografia
ARENDT, Hanna- “Eichmann em Jerusalém- Um relato sobre a banalidade do mal” São Paulo: Diagrama & Texto, 1983.
BAUMAN, Ziegmund- “Modernidade e Holocausto” Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
HOBSBAWM, Eric- “ A era dos extremos-o breve século XX”-São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Resenha "Feliz Natal" (Merry Christmas/Joyeux Noël)

Resenha:
“Feliz Natal”-(Joyeux Noël/ Merry Christmas”- (2005)
Ficha técnica: Direção: Christian Carion / Roteiro: Christian Carion / Fotografia: Walther Vanden Ende / Edição: Judith Rivière Kawa e Andréa Sedlácková / Produção:Phillipe Boeffard / Música: Phillipe Rombi / Elenco:Diane Kruger, Benno Fürmann, Guillaume Cannet, Gary Lewis, Daniel Brühl.

A chamada trégua de Natal de 1914 é, provavelmente um dos momentos mais conhecidos da Primeira Guerra mundial. A popularidade do evento atesta nossa eterna necessidade de, apesar da guerra, da violência, dos interesses sectários, existe algo inerente ao ser humano, a que vagamente damos os nome de “humanidade”, que o torna essencialmente bom, e que nos faz iguais apesar de tudo. É nessa crença que reside o encanto de “Feliz Natal”.

Criticado por vários especialistas por ser considerado excessivamente “otimista” e “bobo e vago como um belo cartão de Natal pedindo paz na terra”. Temos de admitir que isso não está muito longe da verdade. Visualmente “Feliz Natal” é mesmo um belo cartão de natal. Desde de figurinos e interiores sofisticados até exteriores nevados com trincheiras quase bucólicas povoadas por soldados bem vestidos e surpreendentemente limpos para quem está lutando numa guerra de trincheiras. Os corpos, ratos, amputações e latrinas estão lá, mas apenas mencionados de passagem; o trauma da vida na trincheira, com a falta de higiene, as doenças e as privações são uma nota de rodapé comparada ao enorme, e incrivelmente vago “horror da guerra”. Para completar o cenário temos uma trilha sonora sublime composta de música clássica, canções folclóricas e natalinas, um casal apaixonado, separado pela guerra, comandantes dignos e heróicos, e um padre bem intencionado. Sim, “bobo e otimista” pode parecer uma boa definição.

No entanto os críticos esquecem uma coisa fundamental, que jamais deve ser desconsiderada ao se falar de um filme: a intenção de seus produtores. “Feliz Natal” é um filme antiguerra. Parte do princípio, quase esquecido hoje, que por mais variantes que uma guerra envolva, religiosos, psicológicos, políticos e econômicos e por mais que uma guerra possa parecer necessária ou inevitável, uma guerra é, sempre e sem exceções, ruim. Parece uma idéia demasiado simples, e o é. “Feliz Natal” não faz questão nenhuma de dizer o contrário. Por isso é vago. Por que a guerra é vaga, em suas motivações e conseqüências: ao iniciar uma guerra, governos consideram motivações não por sua justiça ou veracidade, não sabem como será seu desfecho, quantos morrerão, quantos ficarão permanentemente incapacitados, quantos civis serão mortos, feridos ou violentados, e a verdade é que esses dados jamais entram na conta. Aí está o horror da guerra visto em “Feliz Natal”; não é preciso ver o sangue e a morte para saber que a guerra é desumana...já deveríamos saber disso há muito tempo.

A Primeira Guerra mundial marcou o início de um processo maior de desumanização daquilo que já era desumano. A guerra se tornou total. Antes soldados se matavam entre si, agora, instituições e pessoas fora do conflito sofriam diretamente, a tecnologia permitiu que armas matassem mais e com mais eficiência, aviões, navios, tanques e gases venenosos foram usados largamente...Tudo isso envolvendo potências políticas que se batiam por territórios e zonas de influência sobre as quais seus povos (e soldados) nada sabiam ou pelas quais pouco se interessavam. Foi a essência da guerra moderna.

A trégua do Natal de 1914 pode ser considerada uma pequena resistência. Um curto momento no qual esses homens puderam recusar a lógica da guerra moderna e agarrar-se aos valores tradicionais que começavam a desmoronar. Valores como a religião, o respeito aos mortos, e à cultura tradicional. A Guerra pode ter divido a Europa, mas o homem europeu tinha um arcabouço cultural que era comum a todos. É essa identidade européia, que perpassa a narrativa do filme, unindo as personagens. É uma identidade idealizada, claro; um judeu não seria considerado parte dela, por exemplo, e no entanto uma das personagens centrais é um militar judeu(a participação dos judeus na Primeira Guerra foi um dado histórico muito importante, ainda que desacreditada posteriormente pelo IIIº Reich), a escolha da ópera (uma arte aristocrática) como laço musical entre os soldados é outro dado a ser notado, e a presença de uma personagem feminina (devemos salientar que a imagem da mulher é um dos dados fundamentais da construção do nacionalismo, seja sob a forma da personificação da pátria, seja como a figura da esposa e da mãe, ou representação da honra e virtudes nacionais) que dá contornos humanizados e sentimentais a essa identidade (é interessante notar que essa única personagem feminina, uma cantora, durante uma longa seqüência interpreta a “Ave Maria”, veríamos aqui uma possível referência à Virgem Maria, na cultura ocidental o símbolo máximo da mulheres que perderam seus filhos- ou maridos, netos, irmãos etc -para a violência sem sentido?). Mas mesmo essa idealização serve a um propósito, sempre o mesmo, apelar para uma identidade comum, humana, à existência de uma humanidade básica em todos nós. Vista desse modo a “identidade européia” mostrada pelo filme pode ser considerada uma simples metáfora para uma “identidade humana” maior, e a guerra de “Feliz Natal” pode ser, no fim das contas, apenas um símbolo para todas as guerras da modernidade.